O Ministério Público de Goiás (MPGO) entrou com um recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra as decisões colegiadas que desclassificaram a conduta do médium João de Deus em dois casos.

O documento acompanha um pedido para que a condenação de João Teixeira por estupro de vulnerável no caso de duas vítimas seja reestabelecido conforme decisão de primeiro grau. O MP explica que a tipificação para violação sexual mediante fraude, decidida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), deixou de observar à incapacidade da vítima de oferecer resistência.

O crime de estupro de vulnerável em relação a uma das vítimas do médium foi reclassificada para violação sexual mediante fraude por, no entendimento do Tribunal goiano, não ter ficado claro a “elementar vulnerabilidade da vítima”.

O recurso do MP aponta que por se tratar de uma hipótese de estupro por abuso de poder ou confiança, se desencadeia o fenômeno da imobilidade tônica —congelamento da vítima—. “A vulnerabilidade, enquanto ‘condição relacional e situacional’, não pode ser objeto de indiscriminada simplificação pelo julgador, sob pena de que as violências perpetradas em sua prevalência sejam perpetuadas”.

A promotora Yashmin Crispim Baiocchi de Paula e Toledo, da Procuradoria de Recursos Constitucionais, argumenta ainda que o momento correto para aferir a vulnerabilidade da vítima ou sua capacidade de oferecer resistência é o da prática da conduta delituosa.

Autoridade e influência

Ela salienta a utilização, pelo réu João Teixeira, de sua autoridade, de seu poder e de sua influência política e financeira para praticar crimes e gerar medo da comunidade com o fim de mantê-la sob o seu controle. “É elemento que extrapola a gravidade abstrata do tipo e, por conseguinte, enseja o recrudescimento da pena-base pela negativação da conduta social do agente”, sustenta. Atuou em segundo grau no processo o procurador de Justiça Pedro Alexandre da Rocha Coelho.

No documento, a promotora Yashmin Toledo aponta que dados do último anuário produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ao longo da última década (2012-2021), indica que 583.156 pessoas foram vítimas de violência sexual no Brasil. Apenas em 2021 foram registrados 66.020 boletins de ocorrência notificando o crime, de modo que em 88,2% dos casos as vítimas eram mulheres.

“Entender os crimes desta natureza desde uma perspectiva que considere o gênero como um fator de vulnerabilidade em uma sociedade patriarcalmente estruturada é imprescindível porque, como é sabido, existem inúmeros estereótipos referentes às possíveis reações de defesa das vítimas nestes casos”, destaca. Ela acrescenta que fatores sociais e neurobiológicos contribuem para que vítimas não reconheçam de imediato a experiência abusiva como uma agressão sexual.

É ainda citado entendimento que se encontra consolidado no STJ, sob a forma de Jurisprudência em Tese (Edição 151, Enunciado 2), o qual define que “em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos”.

Por fim, é citado o Protocolo Para Julgamento Com Perspectiva de Gênero, editado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que orienta quanto ao valor probatório da palavra da vítima e também traz orientações quanto ao julgamento de crimes contra a dignidade sexual. “Não se trata de conferir aos relatos da vítima valor absoluto ou o caráter de prova tarifada, mas, ao contrário disso, de dar-lhe a devida importância quando há verossimilhança nos relatos, à luz do sistema de livre convencimento motivado – artigo 155 do Código de Processo Penal)”, afirma o recurso.

Assim, é pedido que seja restabelecida a condenação de João Teixeira pelo delito de estupro de vulnerável no caso dessa vítima específica, em concurso material de crimes, conforme decisão proferida pelo juízo de primeiro grau. E, desse modo, que sejam consideradas desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais relativas à sua conduta social e personalidade.

 

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