O banco Safra, um dos maiores credores da Americanas, com dívidas de R$ 2,5 bilhões a receber, enviou nesta sexta-feira (24) à diretoria de relações com investidores da varejista uma solicitação para ter acesso aos documentos que embasaram as demonstrações financeiras de 2021 e 2022, apresentadas no último dia 16.
Na data, a Americanas apontou prejuízo de R$ 12,9 bilhões em 2022, uma alta de 108% em relação às perdas de R$ 6,2 bilhões registradas em 2021. De acordo com o balanço, ao final do ano passado, a dívida líquida real da varejista era de R$ 26,3 bilhões.
O pedido elaborado pelo escritório Warde Advogados, ao qual a Folha teve acesso, afirma que “a única forma de eliminar suspeitas” será com “a abertura espontânea, pela Americanas, aos seus credores interessados, de todos os documentos que serviram de suporte para a elaboração das demonstrações financeiras reapresentadas, especialmente aqueles referentes ao passivo da companhia.”
O banco pede que essa abertura ocorra dentro de 48 horas, a fim de “franquear amplo e irrestrito acesso a todos os documentos que serviram de suporte à elaboração das novas demonstrações financeiras, e que permitam a abertura das rubricas dos novos números da Americanas.”
O Safra deixa nas entrelinhas que ver sua solicitação atendida é a condição para aceitar participar das negociações que a varejista está costurando com credores, a fim de realizar a sua assembleia geral de credores (AGC) em 19 de dezembro (data da primeira convocação; a segunda é 22 de janeiro). Depende do evento a aprovação do plano de recuperação judicial da companhia, a ser apresentado à Justiça.
No último dia 21, o Safra já havia questionado judicialmente o pedido da Americanas para a realização da assembleia.
A Americanas tem pressa em assinar o acordo, que prevê que os principais acionistas da companhia, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, fundadores do 3G Capital, injetem R$ 12 bilhões na varejista, enquanto a principal parte da dívida dos bancos credores (R$ 12 bilhões, de um total de R$ 19,5 bilhões) se converta em ações da empresa.
A Folhaapurou que, na madrugada desta quinta-feira (23), a Americanas enviou a todos os seus bancos credores uma petição padrão em que as instituições financeiras se comprometem a suspender ou extinguir todos os processos em curso contra a varejista, como condição para se tornarem sócias da empresa. Segundo uma fonte que acompanha as negociações, os modelos de petição foram enviados para os bancos Itaú BBA, Itaú, Santander, BTG, Bradesco, XP Asset, Votorantim, ABC Brasil, Banco do Brasil, Daycoval, Caixa e o próprio Safra.
“Os novos números apresentados, sobretudo as rubricas relativas ao passivo, a despeito do prejuízo de ordem bilionária reconhecido, ganham contornos que conduzem a uma profunda desconfiança por parte do mercado. Essa desconfiança ganha ares ainda mais graves quando parte daqueles aos quais a Americanas propõe convertam seus créditos em participação societária”, diz o texto.
“O descumprimento da presente solicitação no prazo acima assinalado ensejará a tomada, por parte do Safra, de todas as medidas cabíveis para fazer valer sua justa pretensão. Afinal, os credores financeiros, de ora avante, não direcionam mais seus pedidos à Americanas como simples financiadores externos da companhia, mas como possíveis sócios mesmo”, informa o documento.
A defesa do Safra afirma que não pode “pairar, sobre toda a operação, sequer uma fagulha de suspeita ou desconfiança por parte daqueles que estão se arriscando a tomar parte de uma companhia que há pouco tempo foi tão larga e permissivamente fraudada.”
O banco diz ter ficado temeroso com notícias veiculadas pela imprensa, que indicam que as denúncias feitas pelos delatores da fraude de 11 de janeiro, quando vieram à tona as “inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões“, teriam sido consideradas para a elaboração das demonstrações financeiras retificadas de 2021 e 2022, “o que indica uma possível fragilidade também desses novos números apresentados”.
Mas a principal questão que acendeu o alerta para o banco, em relação aos balanços divulgados, foi o fato de que a nova auditoria, a BDO –que atende a empresa desde a saída da PwC, em junho– não validou as demonstrações financeiras, indicando apenas não ter sido possível “obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para fundamentar nossa opinião de auditoria sobre essas demonstrações contábeis individuais e consolidadas.”
Procurado, o banco Safra não quis se pronunciar a respeito. A Americanas não atendeu a reportagem até a publicação deste texto.
Na opinião do consultor André Pimentel, da Performa Partners, o Safra tem toda a razão em duvidar dos números da Americanas. “Acredito que a nova gestão fez o melhor que pode para apresentar os números. Mas é uma fraude que se arrasta há anos, e os antigos responsáveis não estão mais na empresa. Impossível quantificar com precisão o tamanho do rombo”, diz. “Ninguém tem a menor ideia dos números. Tanto que o auditor não quis emitir opinião”, diz o executivo, que trabalhou na reestruturação da Americanas no fim dos anos 1990, e, antes disso, atuou na PwC.