Micrografia eletrônica de transmissão de partículas do vírus HIV-1 (rosa/castanho) brotando e replicando de um segmento de uma célula H9 cronicamente infectada (azul-petróleo) - (crédito: NIAID)

Pesquisadores em todo o mundo avançam no desenvolvimento de uma vacina contra o HIV, utilizando uma combinação de tecnologias imunológicas inovadoras, além de criar novos métodos para identificar cepas do vírus causador da Aids. O HIV continua sendo um grande problema de saúde pública no mundo. O patógeno já causou mais de 40 milhões de mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e mantém a transmissão contínua, sendo que algumas nações relatam tendência de crescimento no número de infecções.

Um recente estudo, publicado na revista Nature Immunology, mostrou que cientistas do Consórcio Scripps para o Desenvolvimento de Vacinas contra o HIV/Aids conseguiram estimular o sistema imunológico de animais para produzir células B precursoras capazes de gerar anticorpos amplamente neutralizantes do HIV (bNAbs). Entre as estruturas de defesa geradas, estava o 10E8, capaz de atacar diferentes variantes do vírus.

Pelos pesquisadores, o desafio principal para criar uma vacina contra o HIV é projetar imunógenos — substâncias que conseguem provocar uma resposta imunológica no organismo — que estimulem especificamente essas células B precursoras, dado que partes consideradas chaves do vírus, como a região gp41, são de difícil acesso. Para enfrentar isso, a equipe desenvolveu imunógenos em nanopartículas que imitam essa região do HIV.

 Macacos e camundongos

Testes em macacos e camundongos demonstraram que esses imunógenos foram eficazes de provocar respostas das células B precursoras, indicando um potencial para futura aplicação em humanos. Para os autores, os resultados são um passo promissor na criação de uma vacina contra o HIV, utilizando uma estratégia de direcionamento da linha germinativa para preparar o sistema imunológico para produzir múltiplas classes de bNAbs, incluindo o VRC01.

A infectologista Keilla Mara de Freitas, de São Paulo, detalha que os anticorpos amplamente neutralizantes (bNAbs) são anticorpos diferentes, capazes de anular diferentes cepas do vírus HIV. “Isso para o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus HIV é de fundamental importância.”

A especialista reforça que a maioria das vacinas age expondo o sistema imunológico a uma forma enfraquecida ou inativada de um vírus. “O problema em relação ao desenvolvimento de uma vacina contra o HIV é que se replica muito rápido, sofre mutações de maneira acelerada e resulta em diferentes cepas virais em um mesmo ser humano infectado. Como as vacinas geram anticorpos específicos para o tipo de vírus usado na sua elaboração, ao se tratar de um vírus, há diferentes versões e, ele consegue ‘escapar’ das vacinas comuns.”

Uma série de estudos publicados nas revistas Science, Science Immunology e Science Translation Medicine, oferece um panorama promissor sobre a criação de uma vacina universal contra o HIV. Conduzidos por diversas instituições, como a Scripps Research e o Ragon Institute, as pesquisas mostram avanços na indução de anticorpos raros, como o BG18 e o VRC01, essenciais na neutralização de uma ampla gama de cepas do vírus. Utilizando regimes de “prime-boost” — quando se imuniza o indivíduo em duas etapas, utilizando medicamentos distintos —, os pesquisadores conseguiram guiar células B precursoras para se tornarem bNAbs maduros, um marco significativo.

Um estudo liderado pela Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos, e publicado na revista Nature Communications, desenvolveu um teste para medir a persistência do HIV em pessoas infectadas com cepas específicas, sobretudo as mais prevalentes na África. Segundo os cientistas, o exame é crucial para entender como o patógeno resiste no corpo, mesmo sob terapia antirretroviral, e identificar genomas virais intactos capazes de produzir novos patógenos. Para a equipe, a abordagem é fundamental para futuros estudos que visam à cura do HIV, sobretudo em regiões, como o continente africano, onde as cepas virais e os padrões de infecção diferem muito do observado em estudos nos países ocidentais.

Guinevere Lee, virologista na Weill Cornell Medicine e coautora do ensaio, destaca que, independentemente das cepas de HIV, a maioria dos genomas virais escondidos são defeituosos e não podem produzir partículas virais infecciosas. “Genomas intactos de HIV, que podem causar recidiva viral no caso de interrupção da terapia, são extremamente raros — mas esses raros são o alvo para a cura do HIV.”

“Portanto, para encontrar uma cura para o HIV, independentemente das cepas, os pesquisadores enfrentarão o desafio de “encontrar uma agulha no palheiro” para identificar e visar os genomas virais intactos”, afirmou ao Correio a cientista. A pesquisa destacou a presença de reservatórios virais latentes, contendo genomas de HIV-1 que podem se reativar, caso a terapia antirretroviral seja interrompida. Utilizando o sequenciamento genético avançado, os cientistas identificaram diversos subtipos virais, reforçando a necessidade de adaptação dos métodos de teste para essas cepas menos estudadas.

Silvia Fonseca, infectologista, pediatra e professora universitária do grupo Ydqus (Idomed), destaca que o novo teste não modifica, hoje, o manejo clínico de pacientes com HIV, pois o tratamento para os diversos subtipos segue o mesmo padrão. “No entanto, essa pesquisa ajuda a compreender melhor os pró-vírus que estão em reservatórios no corpo, escondidos e que não respondem à abordagem antirretroviral, apesar do paciente em cuidados ficar livre do vírus no sangue”, disse ela. “Não falamos em ‘cura’ do HIV porque todos os tratamentos antirretrovirais conseguem eliminar o vírus do sangue, mas não dos reservatórios, e assim que o tratamento é interrompido, os patógenos se tornam ativos, replicam-se e o paciente pode voltar a adoecer”, reforçou a especialista.

Mais infecções

Além dos casos de HIV, outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) preocupam a saúde pública. Uma pesquisa liderada pelo The Ohio State University Wexner Medical Center, nos Estados Unidos, revela a necessidade de mais conhecimento sobre a disseminação das ISTs e a importância de testes adequados e tratamento oportuno. Em 2020, a OMS estimou que 374 milhões de novas contaminações de pelo menos uma das quatro ISTs mais comuns: tricomoníase, clamídia, gonorreia e sífilis.

Para a pesquisa, a equipe entrevistou mais de mil pessoas. Os resultados destacaram que mais de um terço dos entrevistados erroneamente acreditavam que as ISTs são transmitidas, exclusivamente, por relações sexuais, quando, na verdade, podem ser disseminadas por diversas vias, incluindo beijos, compartilhamento de agulhas e, até durante, o parto.

Ademais, 20% dos entrevistados afirmaram considerar necessário fazer o teste para ISTs apenas se apresentarem sintomas, ignorando a possibilidade de infecções assintomáticas. Jose A. Bazan, especialista em medicina interna clínica da Ohio State, detalhou que o período de pandemia pode ter exacerbado a situação, reduzindo os serviços de prevenção e rastreamento de ISTs, o que permitiu uma disseminação silenciosa pela população. “Os últimos dados de vigilância do CDC, de 2022, mostraram um aumento alarmante nos casos de sífilis e sífilis congênita, nos Estados Unidos”, disse, em nota, Bazan, coautor do trabalho.

A sífilis congênita, transmitida de mãe para filho durante a gravidez, representa um sério risco de natimortos e outras complicações graves. Stacey Biffle-Quimba, enfermeira de família no Columbus Public Health (foto), enfatizou que a prevenção eficaz das ISTs envolve o uso consistente de preservativos e discussões abertas sobre o histórico de testes entre parceiros sexuais. “Prevenir a transmissão para um parceiro é muito importante porque esse parceiro pode ter outros e, é aí, que pode se tornar uma epidemia. É importante que as pessoas sejam testadas”, destacou a coautora do estudo.

 Leque de possibilidades

“Temos um longo caminho pela frente, mas (as pesquisas) abrem um leque de possibilidades para tentarmos fazer uma vacina eficaz. Acho importante falar que embora pouco divulgado, há outras formas de prevenção ao HIV que são muito eficazes. Obviamente tem a camisinha que todo mundo conhece, tem a medicação chamada de profilaxia para exposição, que também funciona como uma prevenção. Mais recentemente surgiu uma nova forma de prevenção que é uma injeção de antirretroviral, de medicação contra HIV que pode ser usada a cada seis meses e se mostra bastante promissora. É muito legal falar da vacina, mas é interessante a gente divulgar para a população essas opções.”

Mirian Dal Ben, infectologista do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo

 

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