O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) aprovou em 28 de novembro uma resolução que fará com que pessoas que consultem na internet salários de procuradores e promotores sejam obrigadas a se identificar.
A medida, que cria um obstáculo à transparência e um possível constrangimento a quem fizer a consulta, foi uma sugestão da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e acabou sendo acatada por unanimidade pelos conselheiros.
O CNMP é um órgão de fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público, instituição independente e permanente do estado e que tem como uma de suas principais bandeiras justamente a defesa da transparência na administração pública.
A decisão do Conselho vai em sentido diverso ao princípio constitucional da publicidade e às leis de Acesso à Informação (12.527/2011) e do Governo Digital (14.129/2021).
Essas duas legislações determinam que as informações públicas divulgadas nos portais de transparência possibilitem acesso automatizado por sistemas externos, o que não será mais possível no caso do Ministério Público após a decisão do conselho.
“Causa profunda consternação que o conselho tenha colocado os interesses corporativos dos membros do Ministério Público acima do princípio da publicidade que rege a administração pública, disposto na Constituição Federal, e ignorado a demanda da sociedade por transparência e accountability da instituição”, disse a Transparência Brasil em seu blog.
A implantação da medida, que ainda não entrou em vigor, irá inviabilizar a coleta automatizada das informações salarias de procuradores e promotores.
“Essa prática é fundamental e indispensável para que a sociedade possa acompanhar atividades e gastos do poder público. É por meio dela, por exemplo, que a plataforma DadosJusBr, da Transparência Brasil, possibilita a consulta de remunerações em 109 órgãos do Judiciário e do Ministério Público”, prossegue o Transparência Brasil.
A diretora-executiva da organização, Juliana Sakai, diz que, diferentemente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o CNMP já vinha adotando uma postura mais restritiva à divulgação das informações públicas.
“O CNJ publica dados de remuneração de todos tribunais [exceto STF] em um mesmo formato. A gente tem um robô programado para coletar dados de todos os tribunais. Para o MP, temos que programar um robô para cada tribunal e só conseguimos coletar de 14 porque o restante publica dados que impedem a coleta automática. Assim que todos implementarem a coleta de dados pessoais, não conseguiremos mais coletar nem desses 14 órgãos”, afirma.
Pelo artigo 172 da resolução aprovada pelo CNMP, as informações individuais e nominais da remuneração “serão automaticamente disponibilizadas mediante prévia identificação do interessado”, salvaguardado “o sigilo dos dados pessoais do solicitante, que ficarão sob a custódia e responsabilidade da unidade competente, vedado o seu compartilhamento ou divulgação”.
A resolução discutida e aprovada pelo CNMP teve o objetivo de instituir a política nacional de proteção de dados pessoais no âmbito do Ministério Público, com base na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
O CNMP não se manifestou sobre a decisão tomada no último dia 28.
O órgão é composto por 14 integrantes e é comandado interinamente pela subprocuradora-geral Elizeta Ramos. Ele será presidido por Paulo Gonet caso sua indicação para a Procuradoria-Geral da República seja aprovada pelo Senado.
O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, disse que o objetivo da associação ao sugerir a medida não foi restringir a transparência no Ministério Público, mas sim evitar que os dados sejam usados para fins ilícitos.
“O nosso contexto não está voltado, rigorosamente, a isso que é a lógica da transparência. Seria até um contrassenso, o Ministério Público Federal nos últimos cinco ou seis anos chegou a fazer todo um trabalho de cobrança de portal de transparência, de informações, a questão não é essa”, diz Cazetta.
“A questão é como é que você compatibiliza esse acesso à informação, mas ao mesmo tempo se prepara para uma realidade de fraudes virtuais em que um robô com a facilidade entra e baixa toda a folha de pagamento.”
O presidente da ANPR disse que ele próprio já sofreu fraudes de uso de seus dados para financiamento de carro e aquisição de número de telefonia celular.
“Em momento algum a discussão estava voltada em impedir que a Transparência Brasil faça aquilo a que ela se presta, que é garantir transparência nos gastos públicos. Hoje, do ponto de vista concreto, o que temos é que essa abertura para uma atividade lícita tem se mostrado essencial para uma atividade ilícita”, afirma.
Cazetta destaca ainda que, pela resolução aprovada, o promotor ou procurador que tiver o salário consultado não terá acesso aos dados de quem acessou os dados. E afirma que já houve conversa com a Transparência Brasil no sentido de discutir a questão.
“O que coloquei para eles foi isso. Não é um cavalo de batalha nosso, pelo contrário, a gente quer garantir o acesso. Somos parceiros de todas essas entidades que buscam a transparência da coisa pública.”