Uma semana depois de os Estados Unidos (EUA) notificarem o quarto caso de gripe aviária em uma pessoa que teve contato com vacas-leiteiras infectadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a vigilância sanitária irregular do vírus representa um risco à saúde global. Embora não existam evidências de transmissão entre humanos, o H5N1 deixou a comunidade científica em alerta ao infectar, recentemente, mamíferos. Além dos EUA, o Camboja registrou dois casos em crianças. Elas teriam se aproximado de galinhas doentes ou mortas.
Em uma coletiva de imprensa transmitida on-line, o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ressaltou que a probabilidade de surtos ou epidemias ainda é baixo. Porém, ressaltou que o acompanhamento do vírus por autoridades de saúde é insatisfatório. “Nossa capacidade de avaliar e gerir esse risco (de transmissão entre humanos) está comprometida pela vigilância limitada dos vírus da gripe em animais em todo o mundo.” Segundo Ghebreyesus, é urgente compreender como o patógeno se propaga e sofre mutações nos animais, “para identificar quaisquer alterações que possam aumentar o risco de surtos em humanos, ou a eventualidade de uma pandemia”.
No início da semana, um estudo publicado na revista Nature alertou que algumas características do H5N1 detectado nas vacas-leiteiras dos Estados Unidos podem aumentar o potencial infeccioso do vírus, além de facilitar a transmissão em mamíferos. Em uma série de experimentos, pesquisadores da Universidade de Shizuoka, no Japão, e de instituições norte-americanas descobriram que as versões da gripe aviária altamente patogênicas (HPAI H5N1) circulantes nos bovinos infectados induziram doenças graves em camundongos e furões, quando inoculados pelo nariz dos animais.
Glândula
Os animais que receberam o vírus apresentaram alta carga viral não só nos órgãos respiratórios, mas também nas glândulas mamárias e nos tecidos musculares. Em alguns, o micro-organismo havia se instalado até nos olhos. As descobertas sugerem que os HPAI H5N1 identificados nas vacas podem diferir dos vírus anteriores, e que a versão atual tem características que facilitariam a infecção e a transmissão entre mamíferos. Porém, os pesquisadores ressaltaram que essa é uma situação ainda não identificada.
“Coletivamente, nosso estudo demonstra que os vírus H5N1 bovinos podem diferir dos anteriormente circulantes por terem especificações duplas de ligação ao receptor do tipo humano/aviário”, escreveram os autores. “Os resultados desse estudo demonstram que o subtipo do H5N1 isolado em vacas possui alta afinidade via glândulas mamárias, onde se replica intensamente. Isso é muito relevante em termos de implicações na segurança alimentar do leite de vaca e pode ser uma via de transmissão da mãe para o bezerro”, comenta a veterinária virologista espanhola Elisa Pérez, do Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola e Tecnológica do país europeu.
Para Gustavo Real, pesquisador do Centro de Estudos de Patogênese e Transmissão da Influenza na Faculdade de Medicina Ichan de Monte Sinai, em Nova York, as descobertas da pesquisa representam um “salto quântico na capacidade de os vírus H5N1 altamente patogênicos se transmitirem a outras espécies animais que não sejam aves de granja”. “Até agora, tinha sido notificada a transmissão desse tipo de vírus a diversas espécies de mamíferos, especialmente gatos, mustelídeos, focas, elefantes e leões-marinhos, bem como algumas centenas de casos humanos isolados.”
Proteção
Desde o fim do século 19, há registros da chamada “peste das aves”. Porém, o H5N1 só foi detectado em 1996, em um ganso, na China. Um ano depois, descobriu-se que o vírus conseguia migrar entre espécies: 18 pessoas foram infectadas em Hong Kong, entre as quais um terço morreu. Em 2003, a gripe reapareceu na Ásia e, desde 2005, causa surtos entre animais domésticos e silvestres em todo o mundo. A atual cepa foi identificada em 2021.
Há quatro meses, foi anunciado o primeiro surto de gripe aviária de alta patogenicidade H5N1 em bovinos, no Novo México (EUA). Até maio, 69 rebanhos afetados foram relatados em outros nove estados norte-americanos. Houve ainda três casos de agricultores infectados com conjuntivite e sintomas respiratórios. Além de vigilância sanitária, a OMS reforçou a necessidade de proteger trabalhadores agrícolas que correm o risco de ter contato com animais infectados. Também pediu que os países compartilhem amostras e sequências genéticas dos vírus encontrados em humanos e outras espécies.
Em Paris
Às vésperas dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris 2024, que ocorrerão de 26 de julho a 11 de agosto e de 28 de agosto a 8 de setembro, respectivamente, o Instituto Nacional de Saúde Pública da França identificou patógenos em águas residuais que devem ser monitorados prioritariamente. Os seis micro-organismos selecionados foram poliovírus, influenza A, influenza B, mpox, Sars-CoV-2 e sarampo. Eles foram escolhidos com base em três critérios de inclusão: viabilidade analítica, relevância em relação aos Jogos de Paris e características patogênicas. A ideia é aproveitar as informações para desenvolver medidas de planejamento de vigilância sanitária mais eficaz.