A resistência antimicrobiana (RAM) – quando microrganismos deixam de ser suscetíveis aos medicamentos – é uma das 10 principais ameaças de saúde pública ao redor do planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O fenômeno é preocupante já que, quando os remédios não conseguem combater os agentes causadores de doenças, o risco de um desfecho mais grave, como um óbito, aumenta.

Nesse cenário, um novo trabalho conduzido por pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália, publicado na revista científica The Lancet Regional Health, mostrou que diversos antibióticos comuns recomendados para o tratamento de infecções infantis como pneumonia, sepse (infecções da corrente sanguínea) e meningite já apresentam uma eficácia abaixo de 50%.

Os resultados chamam a atenção na Semana Mundial de Conscientização sobre Resistência Antimicrobiana (RAM), celebrada até 24 de novembro. De acordo com a OMS, essa perda do potencial dos antibióticos ocorre devido à exposição repetida dos microrganismos aos medicamentos devido ao uso inadequado ou desnecessário, o que faz com que eles se adaptem e ganhem resistência.

Uma análise publicada no periódico The Lancet no ano passado, que avaliou 204 países e territórios, mostrou que as bactérias que não respondem aos antibióticos foram responsáveis diretamente pela morte de 1,27 milhões de pessoas em 2019, número maior do que o causado por doenças como malária e Aids. Indiretamente, a RAM foi associada a 4,95 milhões de vidas perdidas.

Nesta semana, pesquisadores da Sociedade Espanhola de Enfermedades Infecciosas e Microbiologia Clínica (SEIMC) apresentaram um trabalho que mostra que as bactérias matam 23 mil pessoas anualmente na Espanha, mais do que número de fatalidades por acidentes de trânsito.

Perigo para crianças

Segundo os cientistas australianos que conduziram o novo trabalho, a cada ano ocorrem cerca de 570 mil mortes por sepse em recém-nascidos, e muitas são causadas pela perda da eficácia dos medicamentos utilizados. Os pesquisadores pedem que a OMS atualize suas diretrizes de uso dos antibióticos, publicadas em 2013, frente às mudanças de efetividade.

O novo estudo mostra, por exemplo, que embora muito utilizadas, as cefalosporinas de terceira geração, como a ceftriaxona, são eficazes, em média, em apenas 1 a cada 3 casos de recém-nascidos com sepse ou meningite (29% de cobertura). O percentual foi mais alto para bebês com mais de um mês de vida, acima de 50%, mas abaixo de 65%.

Outro antibiótico analisado, a aminopenicilina, também teve um desempenho baixo: 26% para sepse ou meningite neonatais, e 37% e 62% para cada um dos dois quadros, respectivamente, nos bebês com mais de um mês. Já a gentamicina teve uma cobertura de 45% nos quadros neonatais e inferior a 40% nos pediátricos.

A classe que apresentou melhores resultados foi a dos carbapenemas, que tiveram uma cobertura de 81% nos recém-nascidos, 83% para sepse pediátrica e 79% para meningite nos bebês. Porém, no estudo, os pesquisadores escrevem que, “à luz do aumento de infecções resistentes”, os dados “devem promover o uso criterioso” desses medicamentos.

O trabalho analisou dados de 6.648 isolados bacterianos de 11 países, disponíveis em 86 publicações. A autora principal do estudo e pesquisadora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Sidney, Phoebe Williams, diz que a RAM é mais problemática para as crianças do que para os adultos por demorar mais tempo até que novos antibióticos sejam testados e disponibilizados aos mais novos.

“O fardo da resistência antimicrobiana está à nossa porta. A resistência aos antibióticos está aumentando mais rapidamente do que imaginamos. Precisamos urgentemente de novas soluções para impedir infecções invasivas multirresistentes e as mortes desnecessárias de milhares de crianças todos os anos”, diz em comunicado.

Williams defende que os resultados devem motivar uma prioridade no financiamento para investigar novos tratamentos.

“O foco clínico dos antibióticos está nos adultos e muitas vezes as crianças e os recém-nascidos são deixados de fora. Isso significa que temos opções e dados muito limitados para novos tratamentos”.

 

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